Havia uma garotinha
sentada sozinha numa cadeira afastada dos demais. Ela olhava
fixamente para a chuva que caia lá fora, suas mãos estavam sobre os
joelhos e ela apertava firmemente uma à outra, como se estivessem
querendo obter uma força de algum lugar que não existia. Ela podia
senti o frio congelante a envolvendo aos poucos e o silvar do vento
de outono... a garotinha sentia-se sozinha. Mas, havia muitas pessoas
a sua volta, muitas delas olhavam-na com um sentimento que ela não
conhecia, até aquele momento, pelo menos, e sussurravam pensando que
ela não estaria ouvindo. Mas ela os ouvia perfeitamente; todos
faziam a mesma pergunta: “O que iria ser dela agora?”. Foi então
que alguém surgiu entre as pessoas, alguém que ela nunca havia
visto antes... e ele a olhava. Mas não da mesma maneira que os
outros passaram a olhar nos últimos dias, era diferente... ele
parecia feliz em vê-la, ele sorriu e se aproximou.
− Vai ficar tudo bem
agora, Melody. – ele falou segurando suas pequenas mãozinhas. Ela
percebeu que ele falava de um jeito engraçado, mas não sorriu. Ela
o encarou fixamente com seus olhos tristes. – Eu vou cuidar de
você. − afirmou. − Você não está mais sozinha.
− É Mel. – ela o
corrigiu com a voz suave e fraca. – Ninguém consegue falar do
mesmo jeito que a mamãe falava, era diferente... – ela esclareceu
com naturalidade. – Você é o meu pai? Mamãe disse que você
viria me buscar. Mas eu não quero ir embora daqui... eu preciso
ficar. – sussurrou as últimas palavras como se estivesse contando
um segredo.
Ele franziu o cenho,
preocupado.
− Sim, querida, eu
sou o seu pai. – afirmou ficando em silêncio em seguida, a
avaliando. A pequena Mel era esperta o bastante para saber que quando
adultos agiam dessa forma, nunca significava boa coisa. E ela teve
certeza quando ele falou após alguns minutos. – Mel... eu sinto
muito pelo o que aconteceu com a sua mãe, querida. Eu sei que não
está sendo fácil para você, que é só uma criança, lidar com a
falta que ela faz à você... – respirou fundo, e prosseguiu com a
voz extraordinariamente controlada. – Mas nós vamos ter que ir, eu
moro em outro lugar... Você vai gostar de lá, tenho certeza... –
Ele continuou falando com a voz mais calma que conseguia, algo em
seus gestos metódicos diziam que ele também sofria, mas Mel só o
observava e escutava. Não estava certo, ela não podia ir embora
tinha que ficar... precisava permanecer exatamente ali.
Alguns minutos depois,
a pequena Mel foi para o seu quarto e deitou na cama abraçando os
joelhos, fechou os olhos como fizera nos últimos dias, mas nada
acontecia, como sempre. Então, subitamente, decidiu ir para um lugar
que estaria mais preto dela, ou pelo menos era o que pensava.
As cenas lhe vinham como
flashes e estavam a
perturbando diariamente, desde que ficou sabendo do falecimento da
mãe de Dora. Constantemente, ela evitava pensar sobre coisas que
pudessem despertar tais lembranças, mas, nos últimos dias as mesmas
a visitavam sem pedir permissão.
Melody suspirou
pesadamente encarando o vazio, tentando decidir o que fazer a seguir.
As chances eram pequenas, afinal Dora já era uma adulta e não uma
criança de oito anos, mas decidiu que iria procurá-la no lugar em
que estava pensando mesmo assim. Foi até o sofá e pegou sua bolsa
indo em direção à porta em seguida.
− Mel?! – Rodrigo
sobressaltou-se ao perceber que ela saíra do transe em que estava há
algum tempo e que iria sair. – Onde você está indo?
Algumas horas haviam se
passado, e ninguém conseguia encontrar Dora. Depois que Rodrigo e
Caio foram até onde antes ela morava com a mãe e a irmã, fizeram
algumas perguntas aos vizinhos, e não obtiveram nenhuma informação,
ficaram sem saber o que fazer, pois não tinham ideia de onde ela
poderia ter ido. “Por que ela fez isso?” Caio perguntava olhando
de Mel para Rodrigo com um olhar de desespero, nos últimos dias ele
fora uma espécie guardião para Dora, mas Mel sabia que não estava
adiantando muito. E agora eles estavam aqui parados sem saber onde
mais poderiam procurá-la. Decidiram que não deveriam ligar para Lia
e deixá-la preocupada, talvez Dora só estivesse saído para
caminhar um pouco. Mas ela estava demorando demais.
− Preciso sair. – Mel
continuou andando enquanto falava, e jogando todas as lembranças
para longe. – Eu acho que sei onde ela pode estar.
Rodrigo a segurou pela
mão fazendo-a parar e encará-lo.
− Eu vou com você. –
disse afirmativamente sem a mínima intenção de ser questionado.
− Eu também. – Caio
falou decidido, porém com uma aparência cansada.
− Não! – Mel
exclamou rapidamente, sua voz saiu mais severa do que ela pretendia.
Respirou fundo buscando controle, ela sentia-se esgotada e tensa,
essa situação toda estava mexendo muito com ela, mais do que
qualquer um poderia imaginar. – Você fica Caio... – o fitou por
um curto espaço de tempo. – Eu sei exatamente como a Dora deve
está se sentindo nesse momento, e não vai adiantar nada se você
vai estar por perto ou não, se não for o quê ela realmente quer.
Acredite, não podemos obrigá-la a aceitar que a mãe dela morreu e
que mesmo assim ela tem que seguir em frente porque é preciso. Ela
não tem que ser racional, ela está sofrendo... – parou por um
minuto tentando desfazer um nó na garganta. – A Dora precisa ficar
um pouco sozinha e pensar no que vai fazer de agora em diante, é um
direito dela. E eu sei disso porque... foi o mesmo que senti quando a
minha mãe morreu... – revelou, Caio e Rodrigo entreolharam-se
rapidamente sem saber o que dizer, Melody fechou os olhos e mordeu o
lábio, prosseguiu. – Eu me senti sozinha e desamparada, e não
servia de muita coisa o que as pessoas a minha volta diziam para mim.
– disse por fim. Virou-se para Rodrigo e falou acompanhado de um
sorriso fraco: – Acho que vou aceitar aquela carona, afinal. –
Rodrigo piscou os olhos um pouco confuso, seus olhos ainda estavam
fixos em Mel, como se estivesse a analisando e acabado de chegar a
uma conclusão. Ainda segurando-a pela mão, eles saíram do
apartamento a procura de Dora.
− Tem certeza de que
ela está aqui? –
Rodrigo perguntou olhando para o portão de ferro após parar a moto.
Mel ainda tentava se recuperar do susto de andar naquele mostro de
duas rodas que ele insistia em chamar de meio de transporte. − Mel?
− Não tenho certeza, é
só um palpite. – entregou o capacete um pouco zonza e suspirou
olhando na mesma direção que Rodrigo. Havia poucos dias que eles
estiveram ali, e Mel não esperava voltar tão cedo. Voltou-se para
Rodrigo e falou rapidamente. – Eu vou entrar, você pode ir.
Ele ignorou o seu pedido.
− Não vou a lugar
nenhum. – falou descendo da moto e se colocando ao seu lado. –
Não posso deixá-la aqui sozinha, até porque o seu pé ainda está
machucado.
Ela revirou os olhos,
tentando parecer indiferente à sua preocupação e presença, mas
era uma tarefa inútil.
− Eu vou ficar bem,
Rodrigo. – Mel lhe assegurou, tentando não olhar diretamente para
os olhos dele. As coisas ainda estavam confusas na sua cabeça depois
do que acontecera entre os dois, e não ajudava muito eles estarem
passando os últimos dias mais próximos um do outro do que ela
gostaria. Na verdade ela gostava, só não deveria. – Obrigada por
me trazer... agora eu preciso conversar com ela.
Melody não esperou por
mais uma recusa da parte dele e caminhou em direção ao portão do
cemitério onde ela achava que Dora poderia estar. Caminhou
lentamente, e suprimiu todas as imagens que ameaçavam vir à tona e
tomar conta dos seus pensamentos. Talvez ela não fosse tão forte
quanto imaginava. Os últimos dias foram torturantes e ela não fora
uma boa amiga para Dora, não sabia muito bem o que dizer ou fazer já
que, na realidade, não existia nada que pudesse falar para amenizar
a dor que ela estava sentindo. Mas, por outro lado, deveria ter
tentado um pouco mais. Até oferecera seu apartamento para a amiga,
mas sabia que não era o bastante. Permaneceu ao lado dela em todos
os momentos, mas também sabia que não era o suficiente... Então
parou de tentar, apenas acordava e seguia o resto do dia sem ser de
muita ajuda. As visitas de Rodrigo e Caio e até mesmo da pequena
Carol pareciam fazer mais diferença do que a de Mel. Ela desconfiava
que havia sido por isso que Dora resolveu sumir sem falar nada. Ela
poderia ter dito coisas do tipo: Você sempre
irá sentir que algo está faltando, e que esse espaço não pode ser
preenchido de maneira alguma. E realmente não pode. É claro que
você não vai ficar bem por um tempo... Mas
do que tudo isso adiantaria? Palavras, algumas vezes, são bastante
eficazes, mas não para um momento como esse. Para uma situação
como essa, elas não têm significado algum.
Melody respirou aliviada
quando notou a presença de Dora alguns metros a sua frente, foi em
sua direção e parou ao lado dela, que estava sentada num banco de
madeira rodeado por folhas secas.
− Posso? – Mel
indagou e aguardou a resposta de Dora, mas ela permanecia parada. O
vento balançava algumas mechas do seu cabelo, deixando-a com uma
aparência serena, como se ela estivesse ali apenas para aproveitar
alguns momentos de paz. – Eu sabia que encontraria você aqui. –
disse sentando-se ao lado dela e fitando o céu azul, que aos poucos
ia adotando uma cor mais escura no horizonte.
As duas permaneceram em
silêncio por um longo tempo.
− Não é estranho como
tudo na vida pode mudar em questão de minutos? – Dora perguntou
atraindo a atenção de Melody. – Olha só aquelas nuvens lá em
cima... – suspirou. – Há alguns minutos atrás elas estavam
perfeitas, sem nenhuma indicação de que alguma chuva estaria por
perto... Mas agora elas estão diferentes. Elas mudaram porque era
necessário, não porque queriam. – assinalou, deixando Melody
preocupada.
− Muitas mudanças são
indispensáveis, Dora. Faz parte da nossa história. – Mel falou,
agora olhando diretamente para a amiga. − Em alguns momentos da
vida somos obrigados a aprender a transformar algo doloroso em
aprendizado... em evolução. É um processo. – sentiu um aperto
no peito, respirou fundo. – O único problema é que não existe um
manual para isso... Algumas pessoas lidam com a perda de alguém
importante de uma maneira, enquanto outras lidam de outra
completamente diferente. – e algumas pessoas
somente preferem fugir... como eu, Mel pensou
com tristeza. – Depende de cada um, e nesse caso, depende somente
de você. O que importa é como você
vai lidar com a sua. Talvez, um dia você acorde e simplesmente
descubra que a dor ainda existe, só está um pouco menor.
Dora encarou Mel por
alguns instantes.
− Mas isso não é
justo! Eu me sinto tão... – fechou os olhos por um momento. − Eu
não sei... sufocada... irritada.
− Você tem razão, não
é justo. Mas... eu não tenho certeza do que devo dizer na verdade,
sabe. – afirmou vendo as folhas das árvores sendo agitadas pelo
vento. – A única coisa que eu posso afirmar é que você é forte
Dora, eu sei que é.
− Não sei se consigo.
Eu tenho medo, e não sou tão forte como você imagina. –
retrucou. – Eu não gosto de toda essa atenção... não quero que
as pessoas tenham pena de mim. Eu sou assim sabe, prefiro sofrer em
silêncio, sem ninguém por perto.
− Então resolveu sumir
sem deixar sequer um bilhete, ou algum indicio de onde poderia estar?
Decidiu fugir e deixar os seus amigos preocupados e sem notícias
suas? Simplesmente resolveu esquecer que não está sozinha? Tem
razão, eu devo ter me enganado, essas não são atitudes de alguém
forte, não é? – Mel falou tudo de única vez, sabia que estava
sendo um pouco dura.
− Mel...
− Eu sou sua amiga,
Dora. Posso não ser a pessoa mais fácil de conviver em todo o
mundo... mas sempre estarei aqui quando você precisar de mim... –
declarou com um sorriso sincero, porém, no segundo seguinte algo
chamou sua atenção, quando olhou para o lado direito viu duas
pessoas conhecidas. – Assim como aqueles dois bobões ali. –
ergueu o queixo na direção de Caio e Rodrigo, lançando um olhar
acusatório para ambos. Rodrigo deu de ombros, e Caio nem mesmo
pareceu notá-la, seus olhos e cuidados estavam direcionados à Dora.
– Desculpe, acho que eles me seguiram. Na verdade o Rodrigo deve
ter contado ao Caio onde nós estávamos, ele me trouxe até aqui.
− Você andou de moto?
– Dora perguntou sabendo da aversão de Melody pelo veiculo.
− Pois é. Para você
ver o quanto me preocupo com você. – sorriu um pouco. –Não tive
outra opção se não andar naquela coisa.
– soou um pouco dramática.
Dora sorriu.
− Ah, Mel. Você é a
melhor amiga do mundo! – disse a abraçando, Mel a abraçou de
volta. – Me desculpe por ter saído daquela maneira, eu não estava
fugindo... eu só...
− Precisava refletir um
pouco.
− Ela teria gostado de
você, a minha mãe. – Dora inspirou lentamente contraindo os
lábios. – Não acredito que ela não está mais aqui... é
assustador. É como se uma parte minha tivesse sido arrancada, como
se tivesse deixado de existir. – disse ela, enquanto algumas
lágrimas caiam pela sua face. – Eu vi até aqui porque sentia que
não tinha me despedido como devia, foi tão rápido... E dói tanto.
− Como uma ferida na
alma. – Melody refletiu.
As duas permaneceram
abraçadas por mais alguns minutos, aproveitando o silêncio. E
alguns metros dali, Rodrigo e Caio continuavam as aguardando.
− Como sabia onde me
encontrar? – Dora perguntou a Melody, enxugando algumas lágrimas
com as costas da mão.
Melody temia essa
pergunta.
− Ah... Bem... –
parou por um instante recolhendo todo o oxigênio que podia antes de
prosseguir. – Quando a minha mãe morreu eu não sabia o que fazer,
éramos somente eu e ela, sempre juntas. Uma vez ela me disse que
quando não estivesse mais comigo e eu sentisse muito a sua falta, eu
deveria fechar os olhos e imaginá-la na minha frente... cantando
para mim dormir. – Mel manteve os olhos fixos no nada, enquanto
podia sentir o peso do olhar de Dora sobre ela. – Mas, depois que
ela faleceu eu percebi que não daria certo... toda a vez que eu
fazia isso, o contrário acontecia... o rosto dela ficava desfocado e
eu não conseguia ouvir a voz dela, só o silêncio. Lembro que
fiquei desesperada, com medo de não poder mais lembrar o rosto dela,
ou esquecê-la completamente. Então passei a dormir todas as noites
com uma foto dela junto ao peito... – parou para respirar
novamente. – Um pouco antes de ir morar na Itália com o meu pai eu
tive medo mais uma vez... dessa vez tive medo de que se ela
aparecesse para cantar para mim poderia não saber onde me
encontra... Foi aí que eu fugi. Todos ficaram preocupados sem saber
onde eu poderia estar, me acharam algumas horas depois... eu tinha
ido até o cemitério onde eu pensava que ela estava... eu precisava
contar onde eu estaria caso ela não soubesse. Eu tinha só oito anos
na época, então acreditava em coisas diferentes. – esclareceu com
um sorriso fraco. Foi inevitável que algumas lágrimas caíssem, ela
as limpou rapidamente.
− Eu não sabia...
Mel... – Dora não sabia o que dizer após a revelação da amiga,
apenas a olhou com admiração. – Mel, você é incrível... esses
dias devem ter sido tão difíceis para você... e você preferiu
tentar me ajudar. – ela a abraçou mais uma vez.
− Sinto muito. Era eu
quem deveria estar te dando força, não o contrário. – Mel
recompõe-se rapidamente.
− Bem, acho que ambas
podemos fazer isso. – Dora sugeriu sorrindo. – Agora é melhor
irmos embora, daqui a pouco vai começar a chover.
As duas seguiram em
silêncio por alguns minutos, até Dora falar.
− Obrigada por vir
atrás de mim. Sinto muito por deixá-la preocupada.
Mel sorriu.
− Eu te perdoo. Mas
acho que você deve mais dois pedidos de desculpas. – disse
indicando os dois rapazes que pareciam um tanto impacientes.
− O Caio parece...
cansado. – Dora afirmou.
− Eu liguei para ele
quando você sumiu. Agora, tenho certeza de que ele está aliviado
por te ver. Nossa, ele estava insuportável, quase pensei em atirá-lo
pela janela. Por favor, nunca mais desapareça. Combinado? –
indagou erguendo uma sobrancelha.
− Pode deixar.
− Ótimo! Vamos antes
que essa chuva nos alcance. – disse. – Ainda temos uma mudança
para organizar. – Melody ressaltou.
−Humm... Sabe Mel, não
quero ser chata nem mal agradecida, mas é que o seu apartamento é
um pouco pequeno para nós duas e nossas coisas.
− É, percebi. Mas, sem
stress, já pensei em
tudo. – garantiu, fazendo Dora franzi o cenho em dúvida. – Vamos
nos mudar, nós duas.
• • • •
Quando Mel dissera a Dora
que elas estavam de mudança falara sério. Não precisaram sair do
prédio, pois havia um apartamento vazio no mesmo prédio, e para a
surpresa das duas, no mesmo andar. O único problema havia sido a
localização do apartamento. Mais especificamente os seus novos e
inesperados vizinhos.
− Tem certeza de que
esse é o único apartamento disponível? – Mel perguntou pela
quinta vez, achando que o destino, ou o quê quer que fosse, só
podia estar de brincadeira com ela.
− Sim, pela última
vez, esse é o único apartamento disponível no prédio, como também
em todo o condomínio. – o síndico respondeu com um pouco de
impaciência.
− Tudo bem. – se deu
por vencida, olhou para Dora que concordou rapidamente. – Nós
vamos ficar com o apartamento.
− Ótimo! Vou preparar
os documentos.
− Que mal-humorado. –
Melody reclamou assim que o síndico saiu do apartamento, que era
visivelmente mais espaçoso que o último.
− Coitado. Você quase
o fez pedir demissão. – Dora comentou sorrindo e indo até a
janela. – Não consigo entender o motivo de tanto desagrado em se
mudar para cá. Tem bastante espaço, e eu gostei da vista.
− Eu também gostei. –
Mel concordou. – E não é desagrado, eu me preocupo é com as
pessoas que moram logo ao lado. – afirmou fazendo uma careta.
− Ainda assim, não
consigo entender.
Melody fechou os olhos
por um momento e suspirou ao ouvir o som de passos.
− Espere só mais
alguns segundos e você entenderá. – falou apenas.
− Olá vizinhas, querem
ajuda? – Caio perguntou entrando no apartamento sem ser devidamente
convidado.
− É claro que elas
querem. – Rodrigo afirmou entrando logo em seguida.
As duas garotas trocaram
um rápido olhar cúmplice.
− Acho que vamos ter
que manter a porta bem fechada. – Dora falou com um pouco de humor.
Depois da conversa que tiveram, ela parecia melhor, é claro que Mel
sabia que era apenas um tipo de fachada, mas esse era o jeito dela de
lidar com as coisas, concluiu.
− Concordo plenamente.
– Melody sorriu fitando os rapazes que não entenderam o diálogo
das duas.
Graças aos seus vizinhos
bastante prestativos, a mudança ocorreu tranquilamente e mais rápido
do que elas imaginavam. Já que eles queriam ajudar, elas não se
opuseram em aceitar e usar a disposição e músculos dos dois. Mesmo
porque, não tinham outra opção já que, mesmo Dora estando
aparentemente bem, Caio se recusava a sair de perto dela. Por outro
lado, Mel e Rodrigo não estavam agindo naturalmente um com o outro.
Dora percebeu o modo estranho que ambos vinham agindo, e quando teve
a oportunidade questionou a amiga. Mel não sabia como contar o que
acontecera, mas quando percebeu já havia falado sobre o beijo,
deixando Dora levemente surpresa.
− Foi algo...
momentâneo. – Mel explicou rapidamente percebendo o sorrisinho
cheio de significados de Dora. Colocou duas xácaras de chocolate
quente sobre a mesa e prosseguiu. – Não significa que exista algum
sentimento profundo entre nós dois. Como também não significa que
precisamos sequer falar sobre isso. Foi só um beijo... nada mais. –
declarou. Mas toda a vez que parava para pensar no que acontecera,
seu coração acelerava descontroladamente, também não ajudava
muito quando ele se aproximava mesmo que sem segundas intensões.
No entanto, ele não
deveria tê-la beijado daquela forma repentina. Em um momento eles
estavam conversando como bons amigos e ela conta algo que, certamente
nunca revelaria a alguém. E no momento seguinte ele decide beijá-la?
Talvez tenha sido pela surpresa ou confusão do momento que a fez
reagir da forma que reagiu quando eles se separaram.
− Desculpe-me. –
Rodrigo havia dito tão confuso pelo o que acontecera quanto Melody,
que o encarava atordoada. – Mel? – ele chamara quando viu que ela
se afastava – o máximo que o seu pé machucado permitia –, para
longe dele em direção ao seu apartamento. – Mel, espera!
Ela parou para olhá-lo
novamente.
− Vá embora Rodrigo,
por favor! – pediu numa voz fraca.
− Eu... eu sinto muito,
não deveria ter feito isso. – explicou-se, mas algo em seus olhos
não demostrava nenhum arrependimento pelo ocorrido. Tudo o que
Melody queria era continuar o seu caminho em direção ao apartamento
sem lhe dar ouvidos, e esquecer o que acabara de acontecer, no
entanto ela permanecia parada o encarando enquanto um turbilhão de
sentimentos batalhavam dentro dela. – Mel? Por favor, fala alguma
coisa.
Ela piscou os olhos
rapidamente voltando à realidade.
− Esquece isso. –
aconselhou sem olhá-lo nos olhos, tinha medo de que se o fizesse
cometesse um erro. – Vá embora, por favor, eu preciso ficar
sozinha. – deu as costas a Rodrigo e seguiu para casa, parando
apenas um momento para lhe dizer algo. – O que acabou de
acontecer... não pode se repetir. – sua voz saiu estranha, e
sentiu que o mundo oscilava a sua volta.
− Tudo bem. Eu
realmente não... – Rodrigo estava um pouco deprimido e confuso,
mas entendia o porquê do modo de Mel agir daquela forma. Ela havia
acabado de confessar que já sofrera por amor, beijá-la não foi só
um grande erro, mas também uma enorme precipitação que talvez não
conseguisse concertar, ele podia ver nos olhos dela o quanto a
magoara. – Me desculpe.
Melody entrou no seu
apartamento trancando a porta atrás de si, como se de alguma forma
isso pudesse a proteger do que estava sentindo. Sentou no chão e
encostou a cabeça na porta, sussurrando: Não
foi nada. As pessoas se beijam o tempo todo, é normal. É, isso foi
só um beijo sem importância... você vai sobreviver.
Mas em seu íntimo uma voz dizia que já era tarde demais, ela não
tinha escolha do que poderia ou não sentir. Quanta
dor um coração é capaz de suportar?,
perguntou mentalmente a si mesma. Ela não queria encontrar um
novo... amor, mas acima de tudo lutava para não voltar a sentir a
dor que sentiu a tão pouco tempo. Decidiu que deveria evitá-lo,
não pretendia encontrá-lo tão cedo, então recebeu uma mensagem de
Caio avisando o que havia acontecido com a mãe de Dora, e a partir
daí acabavam ficando sempre no mesmo local.
− Não estou tão certa
assim. – Dora falou arrancando Melody dos seus pensamentos, após
tomar um pouco do chocolate quente. – Principalmente depois de tudo
o que você me contou... os acontecimentos que sempre os colocavam no
mesmo lugar. Você não acha que talvez... sei lá, hum... você
devam ficar juntos?
− Não! – exclamou
sentindo que fora uma péssima ideia ter contado tudo a Dora. –
Isso seria impossível, Dora... temos histórias diferentes e
passamos por coisas um pouco... parecidas. Ser traído não é algo
com que se possa conviver sem que criemos uma defesa natural para
qualquer tipo de sentimento. – declarou com firmeza. – Ele foi
traído pelo próprio irmão e a mulher que ele amava... e eu... eu
confiei na pessoa errada, e hoje não consigo confiar totalmente em
alguém. Assim como tenho certeza de que ele também não. Além
disso, foi a surpresa inesperada do reencontrar aqueles dois que fez
com que ele.. me beijasse.
− Eu realmente não
penso assim. – Dora falou com os olhos fixos em Mel. – Tem
certeza de que não confia no Rodrigo?... Não sei não Mel, você
fala dele com tanta... ternura. – Mel tentou não rir, pois Dora
parecia querer bancar o cupido inconveniente.
− Dora... – Melody
fechou os olhos e respirou profundamente.
− Não custa nada
falar.
− Eu não tenho
certeza, acho que sim, mas sei que não deveria. – respondeu
surpreendendo-se. – Eu gosto de saber que ele se preocupa comigo...
mesmo algumas vezes exagerando um pouco. Acho que isso é um pouco
como confiar, não sei. – balançou a cabeça em dúvida.
− Mas depois do
acidente você ficou tão zangada com ele. Por quê? – sondou.
− Por quê? Não tenho
certeza se fiquei zangada com ele. Eu fiquei... irritada, com raiva,
de mim por ser tão... insensata em mentir para mim mesma dizendo que
sou forte. E a culpa é toda dele... me sinto frágil quando ele está
por perto, mas não de um jeito ruim... me sinto protegida. Isso me
apavora. – afirmou encarando a xícara a sua frente, sentindo-se
completamente incoerente.
− Humm... E quando ele
te beijou, o que você sentiu?
Melody sorriu para Dora,
sentindo-se em uma visita ao analista.
− Ah, será que podemos
parar por aqui? – sugeriu tentando se desviar da pergunta.
− Não estou
perguntando por mim, é por você. – ressaltou. – Mel, você
deveria entender o que está acontecendo aqui.
− Como assim?
− Você se sente segura
quando o Rodrigo está por perto. Você gosta de saber que ele se
preocupa e quer proteger você. Além do quê, também tem o fato de
sentir algo por ele diferente de tudo o que já sentiu por alguém. –
ergueu uma sobrancelha e pôs o indicador sobre o queixo. – Hum...
vamos analisar tudo isso. – após um minuto cruzou os braços em
cima da mesa e falou. – Agora me diga, o que você acha que está
acontecendo?
− Não é preciso ser
nenhum gênio para saber que eu gosto dele. – Melody confessou
nervosa.
− Não! – Dora falou
negativamente agitando a cabeça. – Existe uma diferença. Gostar
não é bem a palavra certa para definir o quê eu sei que você está
sentindo pelo Rodrigo.
− Talvez eu saiba a
palavra certa, Dora. Eu só não quero pronunciá-la ou pensar nela,
assim, de certa forma, eu possa fingir que nada está acontecendo
dentro de mim e fazer com que esse sentimento desapareça. – Melody
falou em sua defesa.
− Boa sorte com isso. –
a amiga ironizou, e Mel apenas revirou os olhos ignorando seu
comentário. – Mas, acho que vocês deveriam conversar. –
aconselhou.
Dora tinha razão. Ela e
Rodrigo deveriam conversar, assim como deveriam esquecer o que havia
acontecido entre os dois. Mas como poderia fazer isso se não
conseguia estar no mesmo ambiente que ele sem ter vontade de sair
correndo? Será que deveria procurá-lo e sugerir que deveriam agir
como se tudo estivesse bem, e seguirem naturalmente como simples
amigos? Ou talvez fosse melhor apenas ignorar como vinha fazendo? Ela
não sabia a resposta para nenhuma dessas perguntas, pois sentia que
nenhuma das opções eram válidas. Estava cada vez mais impossível
esquecer algo que mexera tanto com ela. Aquele beijo tinha mais
significados do que ela pôde concluir no momento, ele funcionou como
um selamento, uma afirmação de quê o que nascia dentro dela era
verdadeiro, existia e ela não tinha outra alternativa a não ser
lidar com ele. E esse era o xis da questão, ela não queria lidar
com nada daquilo, preferia de bom grado lutar contar do que a favor
de um sentimento que parecia se expandir dentro si.
Tentando encontrar uma
solução, chegou à conclusão de que só existia uma saída: eles
tinham que manterem-se afastados, seguir cada um o seu caminho e
romper de vez qualquer laço que estivesse querendo ligá-los.
Foi pretendendo fazer
isso que ela parou em frente à porta do apartamento dele e,
respirando fundo após contar mentalmente até dez, bateu na porta.
Ele abriu a porta quase
que imediatamente. Sem dar chances de retorno do que pretendia, ela
falou rapidamente.
− Rodrigo, eu preciso
falar sob... – deteve-se ao perceber que ele não estava sozinho. É
claro, ela esquecera que agora ele dividia o apartamento com outra
pessoa, que estava encarando Melody com um vinco na testa. – Hum...
Oi Caio.
− Er... Oi. – ele
respondeu desconfiado, vendo que Mel e Rodrigo permaneciam em
silêncio, que estava começando a ficar um pouco desconfortável,
falou: − Vocês querem que eu saia?
− Não! – exclamou
com rapidez exagerada. – Quer dizer, você pode ficar Caio. Eu
só... bem, eu só queria dizer... – inspirou calmamente e decidiu
mudar de direção. – Eu vim me desculpar por ter agido daquela
forma com você depois... do acidente. Aconteceu tanta coisa depois
daquilo e, bem, você só estava tentando me ajudar, aliás peço
desculpas à você também Caio. – falou se dirigindo ao amigo, que
ainda não estava entendendo nada. – Eu não sou tão... impulsiva
ou... mimada quanto fiz parecer, só não gosto quando tentam me
dizer o que fazer. Acreditem, o meu pai tenta fazer isso o tempo todo
e não se sai muito bem. – riu sem humor. – Sinto muito por todo
o transtorno que causei, prometo me manter em segurança de agora em
diante... – respirou fundo e prosseguiu. – Desde tudo o que
aconteceu também não tive a chance de agradecer... Bem, obrigada
por me salvar de algo bem pior. Eu também gostaria... – mordeu o
lábio e mudou mais uma vez o rumo da conversa que pretendia ter com
ele. − do meu iPod de volta.
Rodrigo nada disse,
apenas a encarava como se entendesse definitivamente o que ela estava
querendo dizer. Dando uma última olhada em sua direção saiu
deixando Mel e Caio a sós, e este ainda parecia querer encontrar uma
explicação para o comportamento dos dois.
− Algum problema? –
Mel indagou sem interesse percebendo o olhar fixo dele sobre ela.
− Não sei, isso sou eu
quem deve perguntar. – disse cruzando os braços e franzindo a
testa, indagou. – Aconteceu alguma coisa que eu não esteja
sabendo?
− Não. Está tudo
ótimo! – garantiu com entusiasmo demasiado.
Um minuto depois Rodrigo
apareceu.
− Aqui está. –
entregou o iPod de Melody, sua voz parecia um pouco diferente. –
Eu... acabei apagando algumas músicas... só por precaução.
− Certo. Não vou
precisar de nenhuma delas. – Mel afirmou. – Eu tenho que ir...
er... – lançou um último olhar em sua direção, como se fosse o
último em toda a sua vida. Sorriu fracamente para Caio, que ficou
ainda mais intrigado. – Tchau!
• • • •
Os dias seguintes
passaram-se com rapidez. Por algum motivo a chuva recusava-se a
abandonar a cidade. Ela continuou branda, tranquila, e acompanhou o
final de semana. E tudo aos poucos fora se normalizando. Dora e Mel
finalmente conseguiram chegar a um meio termo em relação a
organização da casa. Enquanto Mel era metódica e organizava cada
detalhe com perfeição, Dora tinha um modo diferente e completamente
próprio para manter sua coisas adequadamente arrumadas.
Dora voltou ao trabalho
na segunda seguinte, mesmo com a mãe de Carol dizendo que ela
poderia demorar mais um pouco se quisesse, mas Dora não aceitou, Mel
a compreendia. Melody também voltou ao trabalho, mesmo não tendo
certeza de que ainda teria um. Primeiro fora o pé machucado, depois
o fato de Dora estar precisando dela, e em seguida a mudança de
apartamento. Mesmo sabendo que não precisava necessariamente do
emprego, ela gostava de tê-lo. E estava morrendo de saudades de Bia,
que por algum motivo não quis ajudá-la na mudança e nem apareceu
para visitá-la. Mel achou estranho.
Quando chegou ao café
descobriu que o emprego ainda lhe pertencia, como também concluiu
que havia alguma coisa de errada acontecendo com sua amiga. Tentou em
alguns momentos questioná-la sobre o que poderia estar havendo, mas
Bia dizia que estava tudo bem. Mel sabia que não era verdade.
− O Rafael acabou de
ligar. Ele quer que você vá até lá. – Bia falou numa voz
monótona.
− Humm... Ele disse o
que queria? – indagou.
− Não. – Bia
respondeu com indiferença enquanto folheava uma de suas revistas
habituais. – Talvez só sua companhia, como todos os outros. –
murmurou.
Melody tinha uma pequena
noção do que deixando Bianca chateada, mas achou melhor falar com
ela depois e com calma, precisava da espontaneidade dela de volta.
Foi até a luteria de Rafael, onde o encontrou ao lado de Caio, ambos
conversavam distraidamente sobre alguma coisa. Caio sorriu para ela e
Rafael a chamou até o balcão onde lhe mostrou um pequeno
instrumento, que fez os olhos da garota brilharem.
− É um Stradivarius? –
perguntou com uma admiração explicita.
− É sim. – Rafael
respondeu sorrindo e lançando um rápido olhar na direção do seu
ajudante. – Mas, como você sabe?
− Mmmm... – parou um
instante. – Bem, tecnicamente, pela aparência. – respondeu com
naturalidade. – O verniz está um pouco envelhecido, mas, mesmo
assim, faz com que a cor seja diferente dos outros, única...
especial. – desviou os olhos daquele que sempre fora o seu
instrumento favorito – por vários motivos –, e voltou-se para o
luthier. – Além de outros detalhes, mas o senhor sabe melhor do
que eu. – deu de ombros um pouco sem graça.
− Devo admitir que
estou impressionado. Como alguém tão jovem como você pode possuir
tamanha sensibilidade e conhecimento sobre esse assunto? É
admirável.
− Eu tenho um violino,
um Stradivarius na verdade. – declarou tímida. – Minha avó me
deu de presente de aniversário quando completei quinze anos. Eles
são incríveis, não é? O som é... surreal.
− Tem razão. Há
varias teorias quanto ao segredo da sonoridade, desde o verniz
utilizado, que muitos acreditam conter cinzas vulcânicas, até o uso
de madeiras de navios naufragados. – Rafael relatou a Caio, e este
ouviu atentamente como se estivesse em uma aula de história
instrumental.
− Eu não sabia. E qual
é a verdadeira? – Caio perguntou com interesse.
− São meras
especulações garoto. Em minha opinião, o segredo estar no talento.
– disse olhando para Melody.
− E na magia da música.
– ela falou sorrindo.
− Sabe querida, às
vezes eu tenho a nítida impressão de que já te conheço de algum
outro lugar. Mas, não consigo me lembrar de onde, exatamente. –
Rafael disse a analisando brevemente com os olhos estreitos.
− Sério? Talvez seja
só impressão mesmo. – Mel tentou disfarçar o nervosismo
repentino. Quais as chances de alguém saber quem ela era de verdade?
Quem era sua família e quem fora a sua mãe?
− É. Talvez. – ele
concordou, mas algo em seu semblante dizia que ele não estava tão
convencido assim.
− Ah, então, o que o
senhor deseja de mim? – perguntou mudando de assunto.
− Isto! – Rafael
disse indicando o violino à sua frente.
− Não entendi.
− O meu mais novo
ajudante é muito talentoso, no entanto, infelizmente, violino é um
dos poucos instrumentos de corda que ele não tem prática em tocar.
– revelou.
− E nem me atreveria,
principalmente agora depois de presenciar a cena de admiração do
“Santo Instrumento”. – Caio falou fazendo aspas no ar e com um
sorriso brincalhão nos lábios. Demorou alguns segundos até Melody
entender o que Rafael queria que ela fizesse. Seu coração acelerou.
− Você quer que eu...
− Toque para mim. –
ele completou afirmativamente com um sorriso gentil. Mel sentiu como
seu estômago estivesse cheio de borboletas. Talvez ele soubesse
exatamente quem ela era, não podia ser coincidência ele pedir para
ela tocar especificamente um violino. Rafael prosseguiu. – Veja
bem, eu preciso saber se está tudo bem com ele depois da pequena
restauração pela qual passou. Só confio em você para realizar
essa tarefa. E nem tente se opor, por favor!
− Er... Tudo bem,
depois dessa intimação não tem como dizer não. – falou
segurando o objeto com cuidado. – Algum pedido especial? –
perguntou engolindo o nervosismo.
− O que você quiser. –
sorriu encorajando-a.
Melody respirou
profundamente. Certo, você faz isso há anos.
Você consegue, é só se concentrar, disse a
si mesma. Fechou os olhos, e começou a deslizar o arco como sempre
fizera, com doçura e maestria. Aos poucos o som foi se formando,
sendo lapidado como um raro e perfeito diamante. O timbre envolvente
das notas tocadas, com suavidade e emoção, envolveram rapidamente o
espaço a sua volta. E Melody sentiu-se como se estivesse em uma
espécie de paraíso particular, onde só existiam ela e a melodia da
sua canção favorita.
Reabriu os olhos e
desejou que não o tivesse feito. Não sabia em que momento ele havia
entrado na luteria e se deparado com Melody tocando. Mas Rodrigo
estava lá, seus olhos presos na imagem da garota a sua frente, como
se estivesse contemplando um anjo, e seu sorriso a deixou tranquila.
Ela sorriu na direção dele, enquanto prosseguia com a música, que
ela intitulara de “Primavera de Lírios” a sua primeira
composição que falava de coisas simples como o reaparecimento das
flores depois que o inverno fora embora.
As flores significavam
algo em que, antes, ela acreditava com afinco, elas eram como uma
enchente de sentimentos que lutavam querendo de volta o seu espaço e
ignorando a paisagem abatida a sua volta. Porque elas poderiam mudar,
tinham o poder de dar cor e brilho à estação que era somete delas.
E olhando para o rapaz que não desviara os olhos dos dela em nenhum
momento, Melody concluiu que estava pronta para acreditar novamente,
afinal ele não parecia o tipo de pessoa que a faria sofrer, ele era
diferente... especial.
− Uau! Isso foi
incrível! – Caio disse fazendo Melody se sobressaltar, ela estava
tão imersa em pensamentos que não percebera que havia acabado de
tocar a canção.
− Uma eximia
violinista, sem dúvida! – Rafael disse, ela sorriu um pouco
tímida.
− Você... – Rodrigo
ainda continuava olhando-a, seus olhos brilhavam demostrando algo...
admiração? Então percebendo que todos o encaravam, recompôs-se
rapidamente sem conseguir formular o que poderia dizer. – Você
toca muito bem!
− Esplendidamente bem,
eu diria. – uma outra voz surgiu às suas costas. Melody abriu um
sorriu radiante ao reconhecer aquela voz doce e musical. O sotaque
era inconfundível e familiar demais para esquecer, afinal convivera
boa parte da sua vida a ouvindo diariamente. Virou-se na direção de
onde a voz surgira, seus olhos pararam em um rapaz alto, de ombros
largos, cabelo loiro-dourado levemente ondulado, olhos de um azul
claro, quase cinza. Era uma aparência que chamaria a atenção de
qualquer garota, fazendo suas pernas tremerem e o pulso acelerar...
Mas Melody estava enfeitiçada por aquele sorriso intenso
característico que fazia com que qualquer coisa ruim fosse expulso
para longe dela, ele era o seu anjo protetor.
Devolveu rapidamente o
violino para o seu lugar, e correu na direção do rapaz que não
desviara nem mesmo por um segundo seus olhos dos dela.
− Juliano! – ela
exclamou sorrindo e atirando os braços ao redor do pescoço do irmão
que a envolveu em seus braços no mesmo instante.
− Mel! – Juliano
falou o seu nome com sonoridade, que para Melody era a melhor canção
de todas.